domingo, 20 de junho de 2010

Um mundo perigoso para nossos jovens

Amazônia Jornal
Edição de 20/06/2010
Avelina Castro

"Adolescentes e crianças são as maiores vítimas da violência"
Um informe apresentado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) aponta que os jovens são as maiores vítimas da violência na América Latina. O documento foi apresentado na última segunda-feira,14, em San Salvador, capital de El Salvador, pelo relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o brasileiro Paulo Pinheiro, e pela representante para a América Central do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Carmen Villa Quintana.

A ausência do Estado e políticas públicas sem eficácia são apontadas como alguns dos principais fatores que contribuem para essa realidade. O advogado do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Emaús), Bruno Guimarães, acredita que o informe reforça o que já vem sendo apontado nas últimas pesquisas realizadas no Brasil sobre o tema, como o Mapa da Violência 2010, que aponta um grande índice de homicídios contra adolescentes e jovens no país.

Bruno Guimarães alerta para o fato de que adolescentes e jovens são as maiores vítimas da violência, e não os maiores algozes. "As pesquisas mostram que a participação de adolescentes e jovens em atos ilícitos graves é pequena", disse o advogado. Segundo dados da Fundação da Criança e do Adolescente do Pará (Funcap), dos adolescentes cumprindo medidas socioeducativas no Pará apenas 17,5% foram casos de crimes contra a vida. (Ver quadro na página 61). "Já a participação dos adultos está em torno de 75% dos crimes graves", disse o advogado, explicando que delitos graves são os de violência contra a vida.

Bruno Guimarães explica que a mídia tem mostrado com bastante destaque casos em que adolescentes e jovens aparecem participando de atos infracionais. Entretanto, ele alerta para o fato de que isso não os torna responsáveis pelo aumento da violência. "Ainda que esteja crescente a participação de adolescentes e jovens em atos delituosos, jamais poderíamos responsabilizá-los pelo aumento do índice de violência porque para isso seria preciso uma análise mais profunda. Além disso, essa afirmativa contrariaria os dados de pesquisas sobre violência", disse o advogado, comentando os dados apresentados por ele.

O advogado destaca também que, com o advento de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) que apuram casos de pedofilia, aumentaram bastante as denúncias de casos de violências sexuais cometidas contra crianças e adolescentes. Além disso, segundo ele, não é raro notícias na imprensa de adolescentes e jovens sendo assassinados, em muitos casos, executados pelas redes de tráfico de drogas.

Para Guimarães, os jovens são as maiores vítimas da violência por conta da ausência do Estado, que não implementa políticas públicas proveitosas, que tratem a criança e o adolescente como prioridade absoluta. Além disso, as ações policiais não têm sido eficazes no enfrentamento ao tráfico de drogas, que tem recrutado adolescentes cada vez mais novos. "O modelo excludente de desenvolvimento é o responsável por essa realidade de violência contra crianças e adolescentes porque no Brasil ainda se vê, por exemplo, altos índices de trabalho infantil até mesmo por uma questão cultural de achar que é ‘normal’ criança e adolescente trabalhar", disse Guimarães.

Ranking - Belém é a sétima capital brasileira em maior índice de homicídios entre crianças e adolescentes, segundo destaca Bruno Guimarães, se referindo ao Mapa da Violência 2010. De acordo com ele, a melhor forma de enfrentar essa questão é desenvolvendo ações preventivas, como atividades educativas, de lazer e culturais que contribuam para a proteção desses meninos e meninas e também para o enfrentamento da violência.

"Ação social é importante no enfrentamento"

Para o advogado Bruno Guimarães, do Cedeca-Emaús, é preciso fortalecer as famílias e as comunidades para que se conscientizem de seus papéis e atuem no enfrentamento a violência contra crianças e adolescentes. "É claro que o Estado tem sua responsabilidade e precisa ser atuante. Mas, o Plano de Convivência Familiar e Comunitária que foi inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente com a Lei 12.015/2009 prevê a criação de mecanismos de articulação social para que a violação de direitos não seja naturalizada, mas que seja enfrentada numa perspectiva pedagógica", disse o advogado.

O Movimento de Emaús é um exemplo de entidade que atua nessa articulação. Atualmente, atende mais de quatro mil adolescentes e famílias, direta e indiretamente, de quatro comunidades: Bengui, Terra Firme, Guamá e Jurunas. Nos espaços e projetos desenvolvidos pela entidade, os meninos e meninas desenvolvem atividades socioculturais de esporte, lazer e profissionalizantes. "Essa é uma das formas mais proveitosas de proteção e enfrentamento porque envolve as comunidades e desperta nelas o espírito da autogestão de direitos para que não fiquem na dependência do governo e de entidades, despertando o protagonismo nelas", concluiu o advogado.

"As pessoas precisam saber que nós não estamos de braços cruzados"

No bairro da Terra Firme, muitas são as atividades desenvolvidas por entidades, movimentos e igrejas, que buscam dar um futuro melhor para que os adolescentes e jovens do bairro não engrossem as estatísticas de violência.

Na igreja Santa Maria, a comunidade desenvolve dois projetos educativos com crianças, adolescentes, jovens e adultos. As atividades acontecem no Centro Sociocultural São Domingos de Gusmão. Um total de 120 adolescentes e jovens, com idades entre 12 e 17 anos participam de cursos básicos e avançados de Informática. A atividade faz parte do projeto "Navega Pará", do Governo do Estado e está sendo desenvolvido desde 2008 na comunidade. "Queremos mudar a imagem do nosso bairro porque na imprensa só saem notícias de nossos jovens sendo mortos e de casos de violência. As pessoas precisam saber que nós não estamos de braços cruzados, que estamos trabalhando para melhorar a vida de nossos jovens", disse Malena de Nazaré Pereira, coordenadora do projeto, que atende também adultos , no turno da noite.

Outro projeto desenvolvido na comunidade é o "Um abraço na Educação", voltado a meninos e meninas de 7 a 12 anos, que cursam da 1ª a 4ª séries do ensino fundamental. "As atividades são realizadas em horários alternados ao das escolas delas. São crianças em situação de risco e que as mães não têm onde deixar e elas estavam sem atividades no horário alternado ao da escola", explica Malena.

Além disso, no próximo dia 5 de julho, será realizada a segunda versão da colônia de férias, que a comunidade da Terra Firme realizará em parceria com a Polícia Militar. Um total de 70 jovens, com idade entre 14 e 17 anos, participarão da colônia, entre 5 e 16 de julho, que ofertará palestras educativas e passeios ao Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), onde eles farão rapel e caminhadas, além de visita ao Mangal das Garças, passeio fluvial na orla de Belém, na lancha da Polícia Civil e passeio de helicóptero com a equipe do Grupamento Aéreo da polícia (Graer).

A colônia de férias contará também com uma palestra motivacional do treinador do lutador Popó, o paraense Ulisses Pereira. "Sabemos que é pouco o que estamos fazendo, mas estamos contribuindo com nossa comunidade e, se cada um fizer um pouco, teremos uma sociedade melhor", disse a coordenadora, que mora há nove anos na comunidade. "Precisamos acabar com esse estigma de que na Terra Firme só tem criminosos. É bom que a imprensa não mostre só os jovens morrendo, mas que mostre também as coisas boas que estão sendo feitas e que nós estamos nos mobilizando há bastante tempo para reverter esse quadro de violência contra adolescentes e jovens", concluiu Malena.

"Adolescentes são mais vítimas que algozes"

O pesquisador da Unama, Reinaldo Pontes, que é coordenador do Observatório de Violência nas escolas (vinculado a Unesco), afirma que é preciso desmistificar a ideia equivocada de que os adolescentes são os responsáveis pelo aumento da violência. "A quantidade de adolescentes alcançados pela justiça é muito pequena, se comparado à população daquela faixa etária", disse o pesquisador.

Pontes prestou, recentemente, consultoria para a Fundação da Criança e do Adolescente do Pará (Funcap) para a realização do I Encontro Estadual de Atendimento Socioeducativo, realizado nos dias 8, 9 e 10 de junho deste ano. De acordo com ele, dados apresentados no evento mostram que o número de adolescentes cumprindo medida socioeducativa de internação no Pará equivale a apenas 1,4% do total do Brasil.

A região Norte é a que apresenta o menor número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de internação. São 736 adolescentes em toda a região contra 6.160 do Sudeste. Os dados são da Funcap, relativos ao ano de 2009.

No Pará, segundo Pontes, em 2009, havia 131 adolescentes em internação e 40 em semiliberdade. "As redes de crime, como tráfico de drogas são comandadas por adultos. Os adolescentes são assediados e levados por esses adultos para essa prática", disse o pesquisador.

O pesquisador ressalta que não são apenas os adolescentes que precisam cumprir as leis. "As instituições também precisam cumprir as leis. E quem fiscaliza e pune essas instituições infratoras?", criticou.

Escolaridade - Outro dado considerado preocupante pelo pesquisador é o fato de crianças e adolescentes estarem abandonando a escola. Segundo dados da Funcap, 96,9% pararam os estudos no ensino fundamental. "Essa é uma realidade que precisa ser enfrentada de forma séria", destacou o pesquisador.



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